Por: Verônica Falcão
Poluição e redução da fauna estimulam ataques de tubarões a banhistas Pesquisa FAPESP - Cabeça-chata: associado à maior parte dos acidentes na costa brasileira
Ao contrário do que se viu em Tubarão (Jaws), filme de 1975 do cineasta norte-americano Steven Spielberg, o temível peixe de dentes afiados não costuma expor a barbatana fora d’água para anunciar o ataque. Ele chega totalmente submerso, sem se fazer notar.
Foi assim, sorrateiro, que numa tarde chuvosa de maio de 1999 um tubarão cabeça-chata (Carcharhinus leucas) abocanhou a perna do surfista pernambucano Charles Barbosa Pires e o puxou para o fundo, sacudindo seu corpo embaixo d’água. Charles tentava se defender dando socos no bicho quando seus amigos, que haviam saído do mar e chamado os bombeiros, começaram a gritar para que nadasse. “Ouvi aquilo e fui em frente. Nadei até não aguentar mais e desmaiei”, conta.
Quando acordou no hospital estava com os dois braços enfaixados e não tinha mais as mãos. Hoje com 31 anos, Charles voltou a surfar depois de superar o medo de outro ataque e luta contra as sequelas físicas e psicológicas das mordidas – atualmente busca ajuda para conseguir duas próteses de mão, que custam cerca de R$ 100 mil. Ele é um dos 32 sobreviventes dos 51 acidentes com tubarões registrados entre 1992 e 2006 – houve 19 mortes – na costa da capital de Pernambuco, o estado brasileiro que soma o maior número de casos do tipo.
Em nível mundial, o Brasil é o sétimo colocado em ataques – em primeiro estão os Estados Unidos onde se registraram 836 acidentes em 330 anos, seguidos da Austrália com 329 ataques em 300 anos, segundo a lista do Arquivo Internacional de Ataque de Tubarão (Isaf), do Museu de História Natural da Flórida. Apesar de haver menos acidentes por aqui, proporcionalmente mais pessoas morrem em decorrência da gravidade dos ferimentos.
“No Brasil são os tubarões cabeça-chata adultos, capazes de causar lesões maiores e mais profundas, que em geral atacam”, explica o engenheiro de pesca Fábio Hazin, pesquisador da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Nos últimos anos Hazin e pesquisadores dos Estados Unidos vêm analisando os ataques de tubarão na costa pernambucana em busca de explicações para esses acidentes. E agora chegaram a algumas conclusões.
Ao menos no litoral de Pernambuco os ataques dos tubarões a quem se aventura a pegar uma onda ou a se refrescar no mar estão associados a dois fatores: as alterações no ambiente provocadas pelos seres humanos e a certo abuso das pessoas que insistem em nadar próximo às áreas frequentadas por esses peixes. Entre o final da década de 1970 e o início da de 1980, a construção do Porto de Suape cerca de 40 quilômetros ao sul de Recife exigiu o desmatamento de uma vasta área de manguezal.
A substituição da vegetação de mangue pelo concreto parece ter afetado as populações de peixes e crustáceos que ali se reproduzem, interferindo na cadeia alimentar marinha.