Por: Marcelo Oliveira e Bruno Zani / Procuradoria da República no Estado de S. Paulo
Projeto do porto inclui a implantação de um parque industrial de 19,5 milhões de metros quadrados. Complexo pode ser erguido sobre área indígena reconhecida pela Funai
O Ministério Público Federal em Santos recorreu da decisão da Justiça Federal que negou liminar para suspender o licenciamento da construção do complexo portuário Porto Brasil, enquanto não for concluído o processo de demarcação da área indígena de Piaçaguera no município de Peruíbe (litoral sul de São Paulo). A terra indígena foi identificada e delimitada pela FUNAI em 2002, entretanto a empresa LLX, de Eike Batista, deseja construir o complexo sobre a área.
No recurso (agravo de instrumento), os procuradores da República em Santos Luiz Antonio Palácio Filho e Luís Eduardo Marrocos de Araújo reiteraram os pedidos da ação civil pública proposta em abril e pedem liminar para que o Estado de São Paulo, por meio da Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), suspenda o procedimento de licenciamento ambiental do empreendimento.
O MPF propôs a ação em conjunto com a Funai. No recurso, o MPF requer também que a empresa LLX seja proibida de entrar na terra indígena de Piaçaguera e de abordar seus integrantes sem a formal autorização e presença da FUNAI, como prevê a lei.Além disso, é pedido que a empresa não faça publicidade do complexo e não proceda qualquer ato para realizar o licenciamento, como executar estudos ou protocolar petições em quaisquer órgãos públicos.
Por fim, se a liminar for concedida, o MPF quer que se aplique multa de pelo menos R$ 100 mil para o descumprimento dos pedidos.Os procuradores da República Luiz Antonio Palacio Filho e Luís Eduardo Marrocos de Araújo não concordam com a decisão da juíza Simone Karagulian, da 3ª Vara Federal de Santos, que substituía o juiz natural do processo. Para o MPF, a juíza não analisou corretamente a documentação contida nos autos.
NOVA CUBATÃO - Para o MPF, a juíza não percebeu que o que está sendo objeto de licenciamento não é apenas um porto, mas um parque industrial projetado para a instalação de inúmeras indústrias poluidoras, denominado Complexo Industrial Taniguá.
O projeto abrange uma faixa territorial que se inicia no litoral de Peruíbe estendendo-se dezenas de quilômetros adentro em direção à Serra do Mar, ocupando uma área de 19,5 milhões de metros quadrados. "O Porto Brasil é uma nova Cubatão", afirmam os procuradores.A juíza que negou a liminar admitiu, indevidamente, que o empreendimento poderia ser construído no local sem prejuízo aos índios que vivem na região.
A própria LLX, entretanto, admitiu que o sucesso do empreendimento depende do resultado do processo de demarcação da Terra Indígena Piaçaguera. Inclusive, para lançar ações na bolsa de valores, a empresa elaborou um documento admitindo que o êxito do negócio só se daria com a saída dos índios, que detêm a posse tradicional da área.
"Para que os índios não fossem afetados pela implantação do projeto, a única alternativa possível seria a alteração do local escolhido para instalação do megaempreendimento", afirmam os procuradores.Além disso, a decisão de primeira instância desconsiderou que Piaçaguera é uma terra indígena reconhecida pela FUNAI desde o ano de 2002, quando foi publicado o ato oficial de identificação e delimitação.
Apesar de impugnações das partes contrariadas, o ato oficial continua em vigor, reconhecendo que as terras são tradicionalmente ocupadas, segundo os usos, costumes e tradições do povo Guarani. Para o MPF, se há qualquer dúvida sobre a presença dos índios na área, o lado mais fraco deveria ser levado em conta.
"Ora, ainda que houvesse dúvida a respeito da tradicionalidade, essa dúvida haveria de ser resolvida em favor da parte hipossuficiente, a qual corre risco sério e irreversível à sua própria sobrevivência e jamais à parte mais forte que não corre risco iminente algum", destacaram os procuradores."Se a licença de instalação para o empreendimento chegar a ser concedida, a presença indígena estará excluída e a demarcação, interrompida.
Por outro lado, se o licenciamento for suspenso até que ocorra a demarcação, nada impede que o empreendimento seja rediscutido em novas bases no futuro", afirmam os procuradores.A juíza afirmou na decisão que não existiu ilegalidade na atuação da Administração Pública que justifique a paralisação do processo de licitação que tramita na Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema).No recurso, o MPF ressalta que a Sema não observou que o empreendimento seria implantando em área indígena.
O plano de trabalho foi protocolado junto ao Departamento de Avaliação e Impacto Ambiental (DAIA) em outubro de 2007. No entanto, o plano de trabalho só foi encaminhado ao Ibama e à Funai em 16 de maio deste ano, quase dois meses após o juiz do processo, Antonio André Muniz Mascarenhas de Souza, da 1ª Vara Federal de Santos, conceder liminar em ação cautelar movida pelo MPF que suspendeu a audiência pública marcada para discutir o empreendimento com os índios.
PLANO NEBULOSO - A Constituição proíbe a remoção dos índios de suas terras, sendo vedada qualquer negociação relativa à posse das terras indígenas. Apesar disso, a empresa LLX resolveu persuadir os índios a assinarem um documento em que desistiriam da posse de suas terras.O MPF apurou que a LLX utilizou o antropólogo José Borges Gonçalves Filho, o Cabelo de Milho, para iniciar, de maneira irregular e sem autorização da Funai, o trabalho de aproximação da empresa com as lideranças da comunidade indígena.
Depois de criar laços com a tribo, o antropólogo levou a indígena Catarina a uma reunião com o advogado Ubiratan de Souza Maia, de origem indígena, que se apresentou como advogado da Funai e mostrou a ela uma série de documentos que demonstravam que a aldeia havia perdido suas terras de modo definitivo, inclusive no Supremo Tribunal Federal, o que não procede.Como solução para a "perda de terras", Maia e Cabelo de Milho sugeriram que Catarina convencesse a comunidade a fazer um negócio com a empresa LLX: os indígenas assinariam um documento no qual a comunidade desistiria da posse das terras e a empresa lhes daria uma fazenda produtiva, veículos, salário e outros benefícios.
Os prepostos da empresa também ameaçaram expulsar os índios da terra, afirmando terem a titularidade definitiva da área, o que também não procede. Depois das propostas e ameaças, o conflito entre os indígenas que vivem na região começou. Muitos passaram a temer perder sua casa. Outros, encantados com a proposta, sonhavam com a fazenda, carros e salário.
A liderança da aldeia resolveu, então, ouvir a proposta da empresa e marcou uma reunião.A então coordenadora-geral de defesa dos direitos indígenas da FUNAI, Azelene Inácio, acompanhou, sem autorização da FUNAI, o diretor de desenvolvimento da LLX, Salomão Fadlalah, e outros funcionários da empresa na reunião ocorrida na aldeia. Azelene ajudou Salomão a convencer os índios, dizendo que não deveriam confiar na FUNAI, porque a demarcação das terras jamais iria sair.
Nessa situação, o melhor seria aceitar a oferta da LLX, evitando serem despejados sem direito algum. Dias depois, Azelene foi exonerada do cargo que ocupava na FUNAI.Foi após o MPF receber informações sobre a possibilidade de conflito entre os guaranis que os procuradores propuseram a ação cautelar e a Justiça Federal determinou a suspensão da audiência pública.
O MPF apurou que poderia haver conflito violento durante a audiência pública entre o grupo convencido pela empresa LLX e o grupo que deseja permanecer na aldeia.
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